Suor, palpitação, tremor, agitação. Quem apresenta tais sintomas pode estar sofrendo um infarto, certo? Está enganado, leitor. Esses sinais estão ligados a um novo tipo de doença. Fique atento: se você fica exageradamente angustiado quando não consegue se comunicar pelo celular devido à falta de crédito, queda da bateria ou por esquecer o aparelho em casa, pode ter nomofobia (ou medo de ficar sem celular).
O termo “nomo” é a abreviação de “no mobile” (sem celular). A denominação surgiu em 2008, após uma pesquisa realizada com 2.163 mil britânicos. Um em cada cinco entrevistados respondeu que é mais estressante ficar sem celular do que terminar um romance, ir ao dentista ou mudar de casa. A pesquisa revelou que 58% dos homens e 48% das mulheres entrevistadas ficam ansiosas quando o celular fica sem bateria, créditos, rede de cobertura ou quando pensam que podem perder o aparelho. Os pesquisadores estimam que a nomofobia atinja 53% dos usuários de telefonia celular no Reino Unido.
Cada vez menores e mais leves, tais aparelhos agregam diferentes funções, como calculadora, jogos, câmera fotográfica, rádio, tocador MP3, televisão e acesso à internet, deixando o usuário sempre antenado com o que ocorre à sua volta. Com tantas utilidades e facilidades oferecidas para se adquirir um celular, o aparelho torna-se um companheiro indispensável para muitas pessoas. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), há no país 168 milhões de celulares pré e pós-pagos. Se fosse um aparelho para cada cidadão, seria como se 88% dos brasileiros tivessem um celular.
Não é difícil descobrir histórias de pessoas que, em hipótese alguma, deixam o celular desligado e ficam angustiadas quando não conseguem se comunicar pelo aparelho. É o caso do vendedor Eduardo Leite, 21, que trabalha durante o dia e estuda à noite. Ele possui um aparelho com diferentes recursos, mas utiliza-o para as funções básicas: falar, enviar mensagens e fazer cálculos durante as aulas de matemática.
Quando esquece o celular em casa, pega um mototáxi e volta rapidamente para buscá-lo. “Esquecer meu celular em casa é a mesma coisa que esquecer minha cabeça, porque me faz falta”, relata. Desligar o celular é algo impensável no cotidiano de Eduardo. “Deixo o celular no silencioso se estou numa palestra, reunião, sala de aula, mas sempre em um lugar que eu o veja chamando. Aí peço licença à professora e saio da sala para atendê-lo na mesma hora. Desligar, jamais!”
Eduardo possui um celular corporativo e admite que a conta vem salgada no final do mês devido ao tempo que gasta em conversas com os amigos. Sempre verifica se alguém ligou para ele. “Se tem uma ligação perdida, já quero ligar para saber quem ligou e por quê. Sou bastante curioso”, explica. Receber uma ligação com número confidencial deixa Eduardo inquieto. Por isso, ele faz um pedido: “Não liguem para mim no confidencial ou desliguem na cara sem falar nada. Detesto isso, porque fico morrendo de curiosidade. Isso me deixa angustiado”.
Questionado sobre como reagiria se perdesse o aparelho, o vendedor se recusa a pensar em tal situação. “Amo tanto meu celular que sempre o coloco no lugar mais seguro. Se perder, vou ficar louco, porque não é o aparelho, mas é o meu número, os meus contatos. Como as pessoas vão me ligar? Prefiro nem imaginar...”
Outra pessoa que não consegue deixar o celular de lado por mais de 15 minutos é a estudante de Ciências Contábeis Francinice Silva, 23. Ela sempre liga para alguém, mesmo não tendo crédito. “Ligo a cobrar na cara dura! Os amigos mesmo sempre retornam”, diz, sorrindo. Com uma agenda telefônica que possui cerca de 170 contatos, Francinice não deixa o celular nem no momento de dormir, já que coloca o aparelho debaixo do travesseiro.
Ela admite: fica desesperada quando está sem celular. E quando a bateria acaba? “Dependendo do lugar, carrego. Se não der, uso o de outras pessoas. O meu celular antigo possuía bateria reserva”. Adquirido recentemente, o novo aparelho trouxe preocupação para Francinice, já que, no momento, não será possível adquirir uma bateria reserva para o celular.
A estudante relembra um episódio que ela considera engraçado. “Um dia, estava no centro [de Belo Horizonte] e recebi um SMS. Precisava muito falar com essa pessoa, apesar de não ser um assunto importante. Por mais que eu tentasse, não conseguia. E a bateria não é eterna, né? Ela foi acabando... Aí começou a suadeira, tremor e até dor de cabeça. A bateria acabou assim que consegui falar com a pessoa, bem no meio do assunto...”
Por ser recente, a nomofobia ainda é desconhecida por alguns especialistas, mas já existem pacientes que procuram os consultórios em busca de ajuda. O psicólogo Eduardo Pio de Souza, que aperfeiçoa seus estudos no Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais (IPSM-MG), afirma que as pessoas apresentam diferentes sinais quando estão exagerando no uso das novas tecnologias. “Cada indivíduo tem seus limites. O importante é observar o prejuízo que cada um tem em seu dia-a-dia no trabalho, no convívio com a família, amigos etc. Cada pessoa pode desenvolver sintomas muito específicos dependendo de cada caso, mas o isolamento, baixo limiar de frustração e angústia são os mais comuns.”
A psicóloga Mirelle Cristine de Oliveira estudou o assunto em uma disciplina da faculdade e aponta como o assunto é analisado: “A psicologia trata este termo da mesma forma que acolhe vícios, fobias, traumas, problemas emocionais, visando o desenvolvimento e respeitando o indivíduo”. Já a psicóloga Valéria Silva David ressalta: “esta situação só é avaliada na consulta, quando o paciente traz como queixa. E, infelizmente, hoje nós estamos envolvidos com a praticidade e a rapidez que o celular proporciona”.
E o mundo virtual?
Seja para uso profissional, escolar ou para entretenimento, o certo é que há um outro equipamento que tem se tornado indispensável: o computador. De acordo com a Pesquisa Anual da Fundação Getúlio Vargas (FGV), feita em 2009 por meio da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp), o Brasil possui 60 milhões de computadores em uso, levando-se em conta os equipamentos instalados em empresas e domicílios. Isso representa um computador para cada três habitantes do País.
Você já conhece a história de Eduardo Leite, que foi mostrada parágrafos atrás devido à sua paixão pelo celular, mas ele retorna à matéria porque admite que também é um viciado em computador. Eduardo tem sete contas de e-mail (e admite que esqueceu a senha de algumas delas); três MSNs (que ficam abertos simultaneamente) com 500 contatos no total e verifica os recados postados no Orkut com frequência. Ele acrescenta que, nos finais de semana, não faz questão de sair com os amigos: basta o computador e a internet estarem em pleno funcionamento.
Como ele mora em uma república e o computador é utilizado pelos cinco moradores da casa, o objetivo de Eduardo é adquirir um laptop para acompanhá-lo a todos os lugares. “Se o computador der defeito, vou à lan house. Tenho que dar algum jeito de usar computador, a internet, tenho que me comunicar. Faz parte da minha vida”, diz, categórico. Se a internet não funciona ou se o computador atrapalha, Eduardo começa a ter uma sensação desagradável: “Fico sem lugar, dá um tédio, porque saio pouco de casa e a internet é um meio que tenho de interagir com as pessoas. Tenho amigos aqui em Minas Gerais, no Paraná, Rio de Janeiro... É amigo virtual, mas, para mim, é o que há”.
Eduardo conta que, quando chega em casa, a primeira coisa que faz é ir direto para o computador, conectar na internet e entrar no MSN. Divide a atenção entre o almoço que está sendo preparado e os amigos virtuais. “Depois que o MSN está conectado, aí mexo o arroz, volto cá, converso um pouquinho, volto lá... Quero aproveitar meu tempo e faço a comida rapidinho.” Eduardo garante que nunca queimou o arroz: “não que eu me lembre...”
Nas férias de 2009, ele dedicou mais da metade de seus dias às atividades virtuais: conectava-se por volta das duas da tarde e ia dormir às cinco horas da manhã. “Já virei a noite muitas vezes. Não durante a semana, porque não aguento, mas, nas minhas férias, passava o dia inteiro no computador. Para você ter uma ideia, carregava mil fotos por dia no Orkut!”
O primo e amigo de Eduardo, Sérgio Santiago, mora na mesma república que ele há cinco anos e comenta sobre o comportamento do amigo em relação à vida virtual. “Às vezes acho até que Eduardo nasceu no dia em que inauguraram a internet, porque não é possível. Ele mesmo se define como dependente do sistema e assume que sua vida virtual é bem mais ampla que a real. É onde ele conhece pessoas, arruma namorados, marca encontros e, literalmente, vive. Ele diz que a vida online custa menos que a real, além de ser mais divertida, pois ficar em casa evita gastos.”
Quem também vai para o computador assim que chega do serviço é a professora de História Aline Cardoso. Após a concentração nas aulas, o foco muda quando está em frente ao micro. A primeira atitude é verificar quais as pessoas que estão online no MSN, que, aliás, possui um número mais modesto de contatos: 218.
A professora admite: quando não está trabalhando e o computador está desocupado, costuma ficar o dia inteiro na internet, tanto para estudar quanto para conversar com amigos. Ao recordar as lembranças relacionadas ao mundo virtual, Aline destaca que já virou a noite teclando na internet. “Estava distraída, conversando com meus amigos. Quando pude me tocar já era de manhã.”
Quando a internet fica fora do ar, o jeito é recorrer a uma lan house próxima ou ligar para os amigos: não para pedir para usar o computador, mas para pedir que eles entrem no Orkut para ler todas as últimas mensagens que foram postadas no perfil dela. Vale destacar que Aline sempre procura ir a lugares diferentes para tirar fotos e atualizar o seu álbum no Orkut mensalmente. “Sempre que posso, vou para a Serra da Piedade, zoológico, Porto Seguro, para atualizar o meu Orkut e fugir do comum”.
O psicólogo Eduardo Pio de Souza expõe que as novas tecnologias trazem conforto e praticidade no dia-a-dia, mas, quando falham, tendem a provocar desconforto. Ele enumera as principais reações que podem surgir em quem é dependente dos novos aparatos tecnológicos. “Em alguns casos, as pessoas vão se sentir incomodadas e frustradas; outras angustiadas até acharem uma lan house ou uma tomada para recarregar sua bateria; outras pessoas vão paralisar totalmente sua rotina até que sua condição anterior de plugado retorne”.
Ele acrescenta que os bens de consumo podem virar objetos de adições, ou seja, objetos alvos de vícios. “Esses objetos têm função de apaziguar a angústia nas relações sociais e frustrações do dia-a-dia, pois as pessoas se queixam cada vez mais que necessitam de prazer para lidar com o stress da vida contemporânea e a descrença nas outras pessoas.”
Questionado se o vício em computador pode ser comparado a outros tipos de vícios, ele avalia: “É claro que os outros vícios como os das drogas (álcool, cigarro, cocaína e maconha) trazem um prejuízo ao corpo muito maior a curto prazo, mas pode-se dizer que a relação de dependência de todos esses traz um grande prejuízo ao convívio social”.
Já a psicóloga Mirelle Cristina de Oliveira destaca outros sintomas que o viciado em computador pode apresentar: “Podemos ressaltar a alteração do humor, agressividade, sensação que algo terrível irá acontecer, entre outros, caso ocorra a abstinência”. Ela afirma também que as pessoas podem se viciar por qualquer coisa. “O vício é a dependência de algo, tudo aquilo que limita e/ou prende uma pessoa. O indivíduo perde o equilíbrio se não tiver contato com objeto em questão. O que determina ser ou não viciado é a conduta adotada pelo indivíduo conforme sua utilização.”
Por outro lado, a psicóloga Valéria Silva David prefere não fazer comparações entre os diferentes tipos de vício. “O importante é entender o porquê dessa ansiedade que transforma o vício em uma válvula de escape”, pondera.
Benefícios das redes sociais
Se por um lado as pessoas podem se tornar dependentes do computador, por outro ele pode ser um grande aliado. A professora de Antropologia do UNI-BH, Mônica Barros, ressalta que é preciso pensar mais nos aspectos positivos das redes sociais do que nos aspectos negativos. “As pessoas solitárias ou aquelas que porventura têm possibilidades de interação muito limitadas podem encontrar na internet e nas redes sociais (Twitter, Orkut, MSN) uma possibilidade muito positiva, ampla e próspera de interação social”, afirma.
Ela acrescenta que, no ambiente virtual, as pessoas interagem de forma mais espontânea. “O medo da rejeição diminui nesse ambiente virtual para essas pessoas que, no cotidiano, têm dificuldade de inserção pelos mais variados motivos. Essas redes podem funcionar como uma estratégia desinibidora, motivadora, para ajudar os indivíduos a elevarem a própria autoestima.”
Mônica Barros destaca uma situação que tem observado nos últimos anos. “Uma coisa que tem chamado muito a minha atenção é o uso das redes sociais por pessoas da terceira idade. Isso tem se mostrado fundamental nos Estados Unidos: nas casas de repouso, os idosos são treinados para usar a internet e são orientados a fazer um Orkut, porque dessa forma eles conseguem se interagir com netos e bisnetos, mesmo quando [os idosos] não conseguem interagir com os filhos. Isso permite um encontro de gerações que, de outra forma, não se daria.” (11.237 caracteres)
Tudo tem limite
Profissionais destacam que o uso das novas tecnologias pelas crianças e jovens deve ser acompanhado de perto pelos pais
“Os limites fazem parte do processo de educação e desenvolvimento. A forma como os pais lidam com essas ferramentas e impõem os limites vai contribuir para a forma como os filhos lidam com essas tecnologias” – psicólogo Eduardo Pio de Souza.
“Tudo na vida envolve limites. A postura ideal para prevenir ou até mesmo mudar esta dependência é estabelecer um período máximo diário para a utilização desses equipamentos. Afinal, precisamos nos envolver com atividades diversificadas para o nosso desenvolvimento” – psicóloga Mirelle Cristina de Oliveira.
“Acho que não é o caso de proibir, é o caso de orientar. Não parece adequado qualquer tipo de cerceamento a priori. As informações que circulam lá são as informações que ficam em qualquer outro lugar. A diferença é que a distância entre ela e a informação é de 50 centímetros - da cadeira à tela do computador” – professora de Antropologia Mônica Barros.