terça-feira, agosto 02, 2011

Superação com fé, luta e recomeço

Exemplos de pessoas que deram nova chance à vida
Na capital ou no interior, é possível encontrar pessoas que enfrentaram situações traumáticas e que hoje são exemplos de força e determinação. Elas conseguiram dar continuidade à vida, renovando a capacidade de viverem felizes e de traçarem planos para o futuro.

Em Belo Horizonte, o aposentado Ronald Rosário Santos, 37, é conhecido entre os amigos como Roni. Ele foi acometido pelo sarampo quando tinha dois anos e, ao tomar um banho frio, o vírus se retraiu, comprometendo a circulação sangüínea em suas pernas.

A mãe, que foi abandonada pelo marido e cuidava de três filhos, recebeu ajuda de um hospital beneficente para cuidar do problema dele. “A doença foi agravando. A única saída encontrada pelos médicos foi chamar minha mãe e pedir que ela fizesse uma escolha: decidir em apenas dois minutos se amputava ou não minhas pernas e os dedos das mãos. Segundo o médico, era a única forma de me salvar”, explicou Roni. “Graças a Deus minha mãe tomou essa decisão, porque corria o risco de andar numa cadeira de rodas e eu não queria. Mesmo sem as minhas pernas ando normal, sou independente. Só sou baixinho, mas garanto que tamanho não é documento”, brincou.

Roni teve dificuldade para iniciar os estudos. Aos sete anos, quando tentava ingressar na 1ª série, a diretora da escola não queria aceitá-lo por achar que não conseguiria acompanhar o aprendizado no mesmo ritmo que os outros alunos. A recompensa veio quando foi aceito em uma instituição de ensino aos 11 anos de idade. “No início foi difícil, mas, como sou muito comunicativo, os professores simpatizaram comigo. Um dia inesquecível foi quando aprendi a ler”, disse. Ele concluiu o Ensino Médio há seis anos e pensa em prestar vestibular para o curso de História. Quanto à dificuldade de se inserir no mercado de trabalho, Roni diz: “já tentei arrumar vários empregos, mas ninguém acredita que sou capaz”.

“As pessoas me perguntam pelo menos umas três vezes por dia o que aconteceu comigo e falo com naturalidade. É triste o fato de muitos verem o homem ou a mulher na cadeira, ou até mesmo sem as pernas, como é o meu caso, como doente ou incapaz. E é o contrário. São pessoas saudáveis, que levam uma vida normal, namoram, saem e se divertem", afirmou Roni, que namora há mais de dois anos com uma paulista e é pai de um rapaz de 17 anos.

Outro exemplo de superação é o da poetisa itabirana Isabel das Graças Silva Martins, 57. Aos 25 anos, perdeu o braço esquerdo e os membros inferiores, além de ter queimaduras pelo corpo: quando mudava a antena da TV de lugar, o objeto encostou em um fio de alta tensão. O marido, que estava junto no momento do acidente, morreu. Ela ficou internada durante três meses.

Nove anos depois, decidiu escrever poesias. “Antes já escrevia alguma coisa, mas nunca pensei em publicar um livro. Inclusive me achava menos apresentável do que outras pessoas: achava que, para ser poeta, teria que ser uma pessoa mais bonita. É uma ilusão boba que a gente tem”, relatou a poetisa, que atualmente possui três obras publicadas: Retalhos do Tempo (1988), Fórmula de Poesia (1992) e Sonhos di Versos (2000). A próxima meta é publicar Rédeas do Mundo, que já está preparado. “Só que, aqui em Itabira, encontram-se muitas dificuldades para publicar um livro”, disse.

Outra perda que Isabel teve ocorreu há cinco anos, quando um de seus três filhos morreu em um acidente de moto na BR 381. “Não adianta inventar outra receita: a única fórmula de superar tudo é a fé em Deus, compreender e aceitar que não somos donos de nada. Perdi três membros, um marido e grandes oportunidades na vida. Não foi mais fácil, mas ‘menos pior’ do que perder o filho. A gente ainda tem saudade, a ferida continua de uma maneira diferente”, declarou.

Independente, Isabel Martins executa atividades domésticas. “Lavo, passo, cozinho, apesar do braço doer um pouco. Nunca fui de parar. É a importância que as pessoas têm de deixar a gente agir por conta própria. Se a pessoa fica com pena e faz tudo, a gente não acaba reagindo”, ressaltou.

Mãe supera dor de perder filho

Ver o filho caçula formado e com saúde, conhecer o mar e abraçar os cantores sertanejos Bruno e Marrone são sonhos que a funcionária pública Mônica Lúcia Vicente, 51, vai realizar assim que se aposentar. Em 2006, ela perdeu o filho Walmy Vicente, que tinha 17 anos e foi assassinado após se envolver com drogas.

Mônica descobriu que o filho vendia e consumia entorpecente quando um dos três irmãos de Walmy encontrou saquinhos contendo um produto semelhante ao açúcar na gaveta da cômoda. Ela conta que o jovem roubava objetos da casa para manter o vício e que tentou interná-lo várias vezes. “Quando foi ameaçado de morte, ele pediu minha ajuda. Pediu até para que o internasse, mas no dia de ser levado, escondeu-se debaixo da cama para não ir”, relembra.

Quando tem saudade, Mônica se tranca no banheiro e chora escondida, evitando que seus outros três filhos percebam a reação. “Ver meu filho em um caixão foi a pior coisa que aconteceu em minha vida. Por mais que ele me fez passar, ainda sinto sua falta. Afinal, ele sempre será meu filho”, desabafa.

Viúva três vezes, atualmente está casada e cuida do filho caçula Wallace, 12, que passou por várias cirurgias quando ainda era bebê. Ele ficou internado por seis meses devido à microcefalia (tinha tamanho do crânio abaixo do normal). Os médicos disseram à Mônica que não havia mais solução para o caso. Válvulas foram colocadas em seu corpo e, na medida em que cresce, precisam ser trocadas. “Hoje ele está na 5ª série e é um menino normal. Vejo que meu filho é como outra criança qualquer”.

Hoje Mônica encara a vida com outros olhos. “Tudo para mim é festa. Não sei o que é cansaço. Só fico triste quando alguém da minha família está doente. Fora isso, é só alegria. Se não tiver arroz hoje, come fubá, porque amanhã Deus dá um jeito e é só você correr atrás”, brinca.

Durante a fase crítica que passou, a funcionária pública procurou a ajuda de um psicólogo. Para as pessoas que passam por situações difíceis, Mônica aconselha: “nunca percam a fé e tenham Deus no coração. Não escondam os problemas e sempre procurem ajuda, pois só assim encontramos forças”

É freqüente o número de jovens que morrem devido às drogas. Em julho deste ano, o paranaense aposentado Leôncio Gomes da Silva, 68, perdeu dois filhos que eram viciados em entorpecentes. Em uma entrevista concedida ao Portal Paraná Online, Leôncio Silva disse que não adiantou os conselhos que ele e sua esposa passaram.
Outro exemplo é de um jovem de 17 anos que morreu em 2007 após consumir ecstasy, uma droga sintética, durante uma festa rave no Rio de Janeiro. Os pais declararam ao programa Fantástico, da Rede Globo, que conversavam abertamente com o filho e que, uma semana após a morte dele, não se conformavam com a situação.

Aceitar traumas é necessário

Especialistas explicam que há diferentes formas de lidar com situações traumáticas. “O primeiro passo para se esquecer uma tragédia é aceitar o ocorrido de frente. Tendemos a nos esquecer do fato traumático como uma forma de defesa para a sobrevivência de nossa mente”, declarou a especialista em Neuropsicologia, Lúcia Helena Pinho da Silveira.

Já o especialista em Saúde Mental, Cláudio de Almeida Rio, tem opinião diferente. “Não creio na possibilidade de alguém esquecer uma tragédia, mas indubitavelmente é possível alguém que vivenciou um acontecimento trágico recuperar a alegria de viver, desde que aprenda a lidar com a triste memória do ocorrido”, disse.

Lúcia Silveira diz que as pessoas que perderam membros podem ter “sensações fantasmas”. “Por exemplo, quando se perde uma mão, o córtex cerebral continuará enviando impulsos para aquela região; com isso, poderá ter a sensação de que a mão perdida esteja coçando. Muitas vezes essa sensação poderá contribuir para o resgate do emocional até a completa aceitação da perda daquele membro”, relatou.

A superação de momentos difíceis varia conforme a personalidade do indivíduo e as experiências que ele teve. Segundo Cláudio Rio, isso faz com que cada um reaja de forma diferente diante dos acontecimentos. “É comum, no caso de perdas, as pessoas sentirem culpa por vivenciarem momentos de felicidade. É como se ser feliz significasse esquecer a pessoa que se foi. Isso faz com que esses pacientes andem em círculos, migrando entre fragmentos de felicidade e o mergulho nas lembranças trágicas”, explicou

A especialista em Neuropsicologia sugere algumas atitudes que ajudam as pessoas recuperarem a auto-estima após passarem por momentos difíceis. “O primeiro é aprender a lidar com o fato sem se tornar vítima dele. Em seguida, fortalecer a própria auto-estima, acreditando no futuro e na possibilidade de caminhar. Com isso, o trauma perde força e a pessoa ganha energia para continuar a trilhar seu caminho”, disse Lúcia Silveira. Ela afirma também que outras formas de recuperar a auto-estima estão na religiosidade, que pode minimizar o sofrimento, e na elaboração de projetos para o futuro. “É de suma importância que o traumatizado busque projetos para a sua vida e os cumpra”, afirmou.

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