quinta-feira, julho 21, 2011

Crônica: Esperança

 
Jamais consegui compreender a proximidade de algumas datas comemorativas como um tempo de alegria. Talvez por ter me faltado na infância a verdadeira fantasia. Lembro-me, vagamente, de respeitosas e misteriosas “procissões” pelas ruas após o carnaval, onde centenas de pessoas carregavam velas e ramos pelas mãos. Ficava curioso, pois durava o dia e a noite e é exatamente a noite que era o sono da infância e alguns poucos sonhos entre pesadelos atribuídos à ação das lombrigas.
Depois, na juventude, as datas eram mais comemoradas e o consumismo aumentava. No carnaval a fantasia passou a ser opcional, umas mais luxuosas, outras caricatas e os colegas sempre me acompanhavam na folia. Em abril que engraçado! O ovinho colorido encontrou um pai, um bichinho branquinho e dentuço que nem mesmo bota ovo. No mês de maio uma coroa de flores passou a ser símbolo desta data desde os meus quatro anos de idade. No começo de junho bate aquela tristeza! Vejo uma rosa vermelha e penso: “Podia ter sido diferente, talvez agora eu tivesse alguém para compartilhar minhas alegrias e tristezas”. Mas é no final do mês que afogo as minhas mágoas com a minha roupa remendada, acompanhada por um copo de bebida. Em agosto o velho cinto passou a ser acompanhado pela gravata dourada e por um terno super elegante que gostaria de esquecer. Esse próximo mês é mais um ano simplesmente, onde uma árvore nunca prospera e cresce. Outubro, David, um ser estranho, encontrado em uma lata de lixo há mais de dez anos, torna-se meu companheiro inseparável em noites de solidão e frio. No dia dos mortos me recordo bem, nada mudou a oração e as velas ainda continuavam as mesmas. Ah! O Natal é a pior data, é ai que a minha ficha cai e me pergunto o porquê das coisas, choro, me sinto sozinho e triste, encontro um resto de ceia e um pouquinho de vinho, cheiro e durmo, sonho com um mundo melhor. Um novo ano se inicia e sempre vou a uma lagoa: olho para o céu e peço para um anjo me ajudar a fazer um milagre e espero o ano todo.
O tempo vai passando e as coisas parecem mudar. Sempre me pergunto o que mudou: eu, a minha vida ou o consumismo excessivo do ser humano. Gostaria de entender o porquê de tantas datas e o porquê de tantos presentes. Também porque alguns podem comer e beber tanto quando, nas famílias pobres, as criancinhas choram. O porquê dessa alegria, a fartura liberada pelo dinheiro, sem ver a tristeza dos outros. Como poderia esse contraste ser positivo se traz desafeto para tanta gente? Por certo, não há como mudar os homens. Não existe transformação quanto ao desentendimento do essencial. Nessas datas de vaidade, luxúria, gula, avareza, preguiça, ciúme e ira que muitas vezes são acompanhadas de luzes e flores, o que se comemora, na verdade, são os bens do mundo, os prazeres do egoísmo e as permanências do perpétuo esquecimento dos que sofrem. Para aqueles que dormem em uma cama quentinha ou senta em um sofá macio comendo pipoca, a televisão estará anunciando um fantástico mundo sem fome e repleto de sonhos, falso descarrego de consciência. Um dia no ano com menos miséria e outros 364 dias de esquecimento e de revolta. Sonho em reunir a família, os filhos e os netos em torno de uma mesa farta e de uma árvore com enfeites e luzes, cercada de presentes. Mas o que vejo são orações da boca para fora e a falta de misericórdia que essas datas simbolizam. Enquanto não houver o espírito de compaixão, nenhuma festa será justificativa para a alegria.




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